“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis (…)” - Fernando Pessoa
Bonito - Mato Grosso do Sul - Brasil, 4 de setembro de 2015,
Uma pequena fenda é o portal de entrada no submundo do Abismo Anhumas. Este local foi descoberto por acaso na década de 70 aquando de um incêndio na mata.
Uma vez no seu interior, a luz deu lugar à escuridão. Quase não existe vida no seu interior.
São 72 os metros que separam a fenda do deck flutuante de madeira que se encontra no magnífico lago (com a largura de um campo de futebol) que está no seu interior e cuja profundidade atinge os 80 metros. A sua água verde-esmeralda parece dar alguma vida a um lugar inóspito, sombrio e frio.
A descida foi feita em Rappel. Os momentos que a antecederam foram de ansiedade. O semblante carregado nos rostos, não deixou disfarçar a apreensão em cada um dos 16 corajosos - máximo permitido por dia por questões de segurança e proteção ambiental - que decidiram aceitar este desafio de descer ao Abismo.
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Descida para o Abismo Anhumas |
Um dos instrutores chama o meu nome. Poucos minutos faltavam para estar a 72 metros de altura, suspenso numa corda a que confio toda a minha sorte. Passados alguns metros do início da descida, uma paz interior toma conta de mim e começo finalmente a desfrutar de toda a envolvente.
A aventura, para ser mais preciso, tinha tido o seu início no dia anterior. Um treino básico, e em poucos minutos, mesmo para um leigo como eu, aprendem-se técnicas básicas de Rappel que irão ser de enorme importância para que a visita se realize com a máxima segurança.
Em pouco mais de 5 minutos estava no fundo do ABISMO! WOW!
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Detalhes do interior da caverna |
Um silêncio ensurdecedor paira no ar. Não se ouve vivalma. É hora de respirar fundo e contemplar! Chega a apetecer dizer uns palavrões para celebrar a magnitude e imponência do local. Inevitável e inconscientemente penso na pequenez do Ser Humano diante de um local tão arrebatador. Por breves instantes, e como isso é raro, esqueço a máquina fotográfica.
A tonalidade verde-esmeralda da água e os milenares cones de calcário, que atingem os 20m de altura, impávidos e serenos, como que esquecidos pelo tempo e que emergem no fundo do lago, não me deixam indiferente. Que visão! Nos meses de verão os raios de sol trespassam a água cristalina e devolvem reflexos de brilho, bem como permitem vislumbrar nitidamente o interior do lago até uma profundidade de aproximadamente 60m.
Ali mesmo ao lado, na extremidade da caverna, fito a carcaça de um animal que ali pereceu. Não raras vezes, alguns animais infortunados ali caem, encontrando assim o seu triste fim.
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Deck flutuante no interior da caverna |
Que cenário! Impossível não pensar em Júlio Verne e na sua “Viagem ao Centro da Terra”, obra literária que vive no imaginário de muitos de nós.
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As formações rochosas que emergem do fundo do lago |
Vou ao encontro das gélidas águas do Abismo (18º C, média). Nas águas do lago, tenho o desejo secreto que os ponteiros do relógio parem por breves instantes. Observo tudo o que a minha vista alcança até ao mais ínfimo pormenor. Espero que a memória visual jamais me traia e que eu nunca esqueça este momento sublime de pura contemplação. Os cones no fundo do lago reluzem a cada foco de luz que recebem das lanternas. É um jogo de luz e sombras único. Não há fotografia que faça jus à beleza que se revela ante mim. E os trinta minutos de mergulho esfumaçam-se num ápice.
Diz o adágio que “o que é bom acaba depressa”, ainda que não tenhamos pressa. É hora de regressar. Mais uma vez em Rappel. Desta feita, o regresso à superfície é feito em cerca de 25 minutos. Neste percurso, tomo consciência que a enorme galeria do Abismo Anhumas tem agora um significado diferente. Como a subida é bem mais morosa, é possível saborear todos os detalhes esculpidos nas paredes da caverna pela natureza. É entre estalactites e estalagmites que se faz esta viagem, onde facilmente o nosso cérebro vislumbra formas e figuras abstratas a fazer lembrar o rosto de um idoso ou a figura de algum animal.
Já na superfície, tenho a sensação de ter estado num mundo paralelo e atípico para o comum dos mortais, como se de uma distorção da realidade se tratasse ou do acordar de um sonho. O meu único lamento nesta inesquecível aventura é apenas fotográfico...ser proíbido o uso do tripé.
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Aspeto da subida à superficie, vista do exterior |
E lembrar-me que tudo começa numa pequena fenda (…)
Não poderia concluir a partilha desta aventura sem deixar aqui inscrito o meu agradecimento à extraordinária equipa de profissionais que nos acompanhou e que já são parte integrante do Abismo Anhumas. O seu elevado nível de profissionalismo e simpatia são fundamentais para transmitir confiança e serenidade, nomeadamente nas horas de maior ansiedade, a quem ousa descer ao Abismo.
Já no autocarro de volta para o hotel, tenho o estranho sentimento que tudo voltou ao normal. Coloquei os headphones e segui ouvindo o “Extinct” dos Moonspell.